Didi, Gepp & Maia e os Arquivos do Porto

 

Jogo histórico na Cidade Canção. Assis, Bernardo, Itamar, Nilo, Ferreirinha, Nivaldo, Celso, Albérico, Wagner, Freitas e Didi. O Grêmio Maringá – o Galo do Norte – a caminho de seu terceiro e último título estadual.

Setembro de 1977. Grêmio Maringá e Coritiba decidiam o primeiro turno do quadrangular final do Campeonato Paranaense. Estádio Willie Davis abarrotado. Eram 33 mil pessoas, inclusive em pé, na geral e em cima das cabines de rádio. Eu estava lá na arquibancada coberta que a foto mostra ao fundo, e vi quando, após escanteio cobrado na direita por Freitas, Didi, o “maestro” – volante e capitão do time – mata no peito e a pelota ainda quica mais uma vez no gramado antes de receber uma chicotada em direção à baliza da Avenida Prudente de Morais. Um pombo sem asas sai voando em direção ao ângulo esquerdo de Sérgio, que ainda tenta o desvio. Em vão. Galo 1 a 0. O jogo terminaria com vitória alvinegra (2 a 1, com Freitas marcando o segundo). O Grêmio seria o campeão de 77, numa decisão em dois jogos contra o mesmo Coritiba que, naquele ano, buscava o inédito sétimo título estadual consecutivo. Foi a última grande alegria da fanática “Torcida Guerreira”.

O gol de Didi jamais saiu de minha memória e acabou inspirando um quase embrião dos infográficos que faço hoje. Tempos depois, talvez em 1978, rascunhei aquela jogada à lápis, em um caderno de folhas brancas, sem pauta. Nunca tive talento e tampouco conhecimento técnico para desenhar à mão livre. Os rabiscos, é claro, eram desprovidos de qualquer qualidade artística. Mesmo assim, tinham um referencial definido: os gráficos de Gepp & Maia, publicados na Revista Placar.

Flamengo e Goytacaz, em fevereiro de 79: gol de Zico na pena de Gepp & Maia.

 

Corinthians e Paulista, pelo Estadual de 1979: gráficos em P&B tão bons quanto os coloridos.

  

Cruyff contra Leão. Nesse lance o brasileiro venceu. Mas a Holanda ganhou do Brasil por 2 a 0, e foi para a final da Copa de 74.

 

Naquele tempo a Placar era semanal. Fiquei fascinado pelas séries de Gepp & Maia – os desenhistas José Roberto Maia e Haroldo George Gepp, que também desenhavam para o Jornal da Tarde. Os gols da dupla Sócrates e Palhinha, da Copa de 78, os mais bonitos de Zico, de Roberto Dinamite, de Juary, e até as maiores defesas de Leão. Com as cenas em perspectiva, os desenhos possuíam um traço inconfundível, como a rede estufando com o impacto da bola, o respeito à numeração das camisas e fisionomia dos craques, a precisão no posicionamento e na movimentação dos jogadores, as sombras e até a representação do árbitro em alguns lances. Tudo à mão. Ainda não havia o “copia e cola”. Artesanato de primeira.

Desde então, nunca mais encontrei qualquer publicação com desenhos de gol da dupla. Esporadicamente, a própria Placar, ou alguma outra revista, surgia com infográficos específicos, quase sempre nos embalos de alguma Copa do Mundo. Nada, todavia, em seqüência ou em grande quantidade, apesar do avanço da informatização e da disponibilidade de um vasto arsenal de softwares para a criação e tratamento de imagens, a partir da década de 90.

Infográfico do gol de Ghiggia, da Placar. Não se conhecem imagens tomadas a partir desse ângulo.

O “O Globo” tem sido o único grande jornal de circulação nacional a preservar a tradição dos gráficos de futebol, publicando o gol da rodada sempre às segundas-feiras, no caderno de Esportes. O diário Lance também traz impresso, sem grande destaque, o gol da rodada, utilizando uma técnica de ilustração que padronizou e adota sempre que necessita demonstrar um determinado desenho tático ou uma jogada específica.

Observando à distância as publicações do gênero que, vez ou outra, surgiam na imprensa, acalentei durante anos o desejo de desenvolver uma técnica de criação de infográficos. Muito embora, com o passar dos anos e com o aumento da quantidade de programas esportivos na TV – além da oferta de canais pay-per-view e a massificação da internet e seus milhares de vídeos -, tenha se tornado quase impossível não assistir a um determinado gol quando se quer, a ideia dos gráficos e a crença em sua viabilidade resistiram. Na verdade, se tornaram ainda mais consistentes.

Infográfico na revista semanal Época: para celebrar o penta.

 

De Gepp & Maia guardei os conceitos fundamentais, e a estes fui agregando elementos que extraía das observações que fazia. Alguns sutis como as sombras dos jogadores no infográfico do fatídico gol de Gigghia, outros que poderiam abrir possiblidades comerciais, como as placas publicitárias nos desenhos de “O Globo”.

Dodô arremata de fora e abre caminho para o Botafogo faturar o Carioca de 2006: O Globo mantém a tradição.

Só em 2007, quase um ano sabático, pude me dedicar ao estudo de softwares de modelagem tridimensional e aprender técnicas de desenho vetorial, imagens em camada, filtros e efeitos. Tecnologias à parte, curiosamente foi preciso ainda aprender a ver um gol. Sim, a velocidade com que recebemos as informações, sempre em profusão, impedem que analisemos as jogadas nos seus detalhes mínimos. E para fazer infográficos estabeleci uma quase auto-obrigatoriedade de ser detalhista, de ser preciso dentro das limitações impostas por uma imagem televisiva e de agregar informações que, na maioria das vezes, passam despercebidas pelo narrador da TV, e acabam omitidas, ainda que involuntariamente.

Concluído o primeiro gráfico (clique na imagem acima para ampliá-la), enviei-o sem muitas expectativas para Roberto Porto, lendário jornalista e um mito botafoguense, cujo blog acompanhava de forma anônima. Queria sua opinião, mesmo não o conhecendo pessoalmente e nem ele a mim. Afinal, tratava-se justamente do gol de Maurício, da final do Carioca de 1989, que enterrou o jejum de 21 anos do Botafogo sem títulos. Para minha absoluta surpresa, ele respondeu algumas horas depois do envio. Foi extremamente generoso e eu acreditei que os elogios eram sinceros. Na segunda mensagem, me mandou fotos – diretamente de seus arquivos implacáveis – do gol de bicicleta de Paulinho Valentim, marcado contra o Fluminense na final do Carioca de 1957, em uma tarde em que o Catimba guardou cinco bolas nas redes de Castilho. Mais que matéria-prima para um segundo gráfico, entendi o gesto como um aval inestimável. E uma honra, maior ainda.

Roberto Porto foi torcer para o Botafogo lá no céu, fazer companhia a Armando Nogueira, Sandro Moreyra, João Saldanha e tantos outros jornalistas que jamais esconderam qual era o seu clube de coração.

Didi já é falecido. O Grêmio, ao menos aquele que eu reconheço como o Galo do Norte, também. Mas hei de fazer ainda o infogol daquele lance que testemunhei em uma inesquecível tarde de domingo, no Willie Davis.  Não era o Príncipe Etíope da nossa Estrela Solitária, mas o Didi de Maringá também jogava o fino da bola.